quinta-feira, 10 de novembro de 2011

SOBRE (MINHA) FOTOGRAFIA.

Segue abaixo o trecho de uma conversa que se repetiu em livrarias, encontros de fotógrafos, festas, exposições e até mesmo em entrevistas de emprego:

"Você é artista"? - Ela me perguntou.
"Não, só tiro fotos" - respondi.
- Ué, e não dá no mesmo?

Já dissertei sobre meus assuntos favoritos antes; mas não sobre fotografia. Como Stanley Kubrick quando perguntado sobre o significado de 2001 - Uma Odisséia no Espaço e Eddie Vedder, também entrevistado sobre a significância do Pearl Jam em sua vida, permaneço em silêncio sobre o que minhas fotos significam pra mim. Posso até nomear o que faço e o que me atrai, mas ainda não consigo definir o que ela é - ao menos pra mim.


Não sei se a escrita pode me ajudar a chegar num denominador comum sobre a fotografia, mas posso tentar:

Sempre na infância.

Aprendi a ler muito cedo graças às HQ's. Por lógica, aprendi a reconhecer a estrutura da composição de uma imagem disposta num quadrado ou retângulo; daí, despertei-me silenciosamente para a retratação do real à minha volta, pelo registro nos álbums de fotos da família e em cada revista que chegava em minhas mãos. A admiração tornou-se um hábito e o hábito numa coleção. Além dos quadrinhos, devorava revistas de cinema, de notícias nacionais, exemplares da National Geographic e masculinas. Ao acumulá-las, desenvolvi o senso crítico e analítico dos acontecimentos. Partes do meu cérebro e coração tinham curiosidade, fome - e poderiam ser alimentadas apenas por meus olhos. Me habituei a observar pessoas em grupo ou sozinhas; paisagens e estruturas arquitetônicas; numa viagem, entrava em transe pelo que via da janela e não conseguia dormir. Passava horas folheando jornais e revistas, absorto em imagens de pessoas e cenários que nunca vi. Por livros, construções incríveis e posicionamento de câmeras formavam-se na minha mente. Quando brincava com meus bonecos de soldados de guerra (Comandos em Ação - lembra?), rodopiava-os aos meus olhos e fazia seus carros, tanques, jatos e helicópteros girar incontáveis vezes na minha frente, procurando por um foco de ação preciso e emocionante; eu não sabia, mas aquilo era fotografia - fosse na minha mente, estática ou em movimento.
O processo observativo fazia sentido pra mim. E foi somente quando tive uma câmera em minhas mãos que aprendi que a fotografia é uma interpretação da realidade de acordo com olhos do fotógrafo. Uma das melhores verdades sobre isto é que existem pessoas que se destacam por elas. Algumas chegam até a implantar uma segunda, terceira, quarta perspectiva do mundo. Quando bem feitos, os retratos atravessam o tempo e tornam-se elementos da iconografia. Aprendi que minha realidade poderia ser reinterpretada - que ela poderia ter o meu ponto de vista.

Mas só fui me dar conta disso anos depois; não sabia da sua profundidade, valor estético ou artístico, não entendia das técnicas. Mas sabia quando uma foto era ruim.
Por exemplo, nunca me esqueço de uma foto que foi tirada numa festa de aniversário minha (treze ou quatorze anos) por uma tia - meus amigos e eu, encostados na parede e de ombros dados, e ela na diagonal de onde estávamos e não em nossa frente como deveria ser. Ainda havia um pequeno poste de luz na frente dela. Antes da foto ser tirada, tentava falar com ela no meio da algazarra para que ela se posicionasse melhor; a câmera era rústica, mas o momento, raro, pois todos meus melhores amigos estavam lá. A foto saiu um desastre, com metade dos meus amigos fora do quadro e boa parte da parede iluminada pelo poste no outro lado. E o pior: estávamos desfocados.
Esta foi a primeira vez que perdi a oportunidade de assumir meu gosto pela fotografia.

A segunda foi em meados de 1997 ou 98, quando pedi a meu Pai uma câmera analógica como presente, pois ele estava retornando de viagem dos EUA; ganhei a câmera que ele mesmo usava, uma Minolta 5000i. Seu corpo, peso e lente na época (e aos meus olhos) eram perfeitos. Na época, já conhecia fotógrafos de renome internacional, comprava revistas com seus trabalhos, reconhecia sua assinatura visual.
Inspirado por novas influências, comprei uma dezena de rolos de filme e saí a experimentar. Amigos fazendo poses, ruas vazias e alguns prédios. Ao mostrar o resultado para meu Pai, não fui compreendido. Nada ali se parecia com o que ele conhecia sobre fotografia; tentando ser o filho perfeito, acreditei nele. E abandonei a fotografia pela segunda vez. Por quase dez anos.

Mas tive sorte de ter pessoas ao meu lado que, de tanto me ouvir falar sobre fotografia, me estimularam a pegar numa câmera novamente. Por isso, agradeço desde já à Bruno Vianna pelo caminho, Sandro Cruvinel pelo potencial da linguagem, Layza Vasconcelos e Lu Barcelos pela técnica e Dany Plummer Targa  pela oportunidade de me expor.
Com todos eles, conversei, perguntei, ouvi e aprendi. Meus olhos e sensibilidade foram redescobertos e refleti sobre o que poderia fazer com uma câmera nas mãos. Experimentei. A câmera que tinha em mãos era uma Canon EOS500, com uma lente 28-70mm. Ela não foi um presente, mas um item comprado do amigo Sandro Cruvinel.

Decidi começar do princípio da fotografia - felizmente, não por um daguerreótipo -, por filmes Preto e Branco. Li o manual do equipamento incontáveis vezes; pesquisei sobre ele na internet, comprei filmes, aprendi sobre o processo de revelação e aos poucos aprendi sobre o funcionamento de lentes, abertura, velocidade e estilos. Ora queimava filmes, ora fotografava sem filme na câmera; um perfeito amador. Mas as fotos eram pra mim e mais ninguém, então não havia tanta cobrança.
Recomecei por onde havia parado: do paisagismo urbano, da arquitetura - em seus detalhes e nuances num estilo primário. Se tudo na fotografia é sombra e luz, então me aproximava de tais elementos que se mesclavam sem maiores interferências e sem a intervenção humana. Aos poucos, passei a lidar com a figura humana em si - primeiro à distância e depois, mais perto. Um bom laboratório foi fotografar shows para aprender mais sobre luzes e velocidade - ainda mais em preto e branco. Por dois anos, investi meu tempo e criatividade no formato analógico.

Um adendo: acredito que todo artista, independente de seu campo e forma (livro, foto, pintura, poesia, escultura, cinematográfica, teatral, musical) coloca em sua obra mais do que imagina sobre si mesmo; não há apenas uma assinatura pessoal, mas o estilo e resultado dizem também sobre a personalidade do autor, se lidos da maneira correta. É o que torna a diversificação delas mesmo que seja dentro do mesmo campo tão distintas - como cada rosto e personalidade não são facilmente definidos.

Em 2007, comprei minha câmera digital - uma Canon 40D. Até hoje trabalho com ela. Embora para todos os efeitos práticos e comercias seja um equipamento melhor de lidar, ainda acredito que a melhor fase da minha carreira fotográfica está no início, quando ainda usava filmes. Com 36 chapas num rolo, minha concentração tinha que ser maior, para fazer cada uma delas valer a pena. Esta é minha única crítica sobre o equipamento digital.
Com equipamento analógico, eu errava com senso de humor, não tinha medo de experimentar e criar, não era pago pra fotografar, me importava pouco com as críticas. Mas já era chamado de 'artista'. Nunca pensei que fosse classificado assim. E ainda sinto um leve desconforto de ouvir isso. Atualmente há uma necessidade gritante de se rotular tudo que é visto; acho que é um vício subconsciente mente coletivo dada a velocidade e quantidade de informações jogadas na nossa cara, sem filtros e embasamento.

No campo da fotografia, conheci artistas de verdade e aqueles que se rotulam como tal; infelizmente, o último grupo tem um número bem maior de integrantes. São como os fãs inveterados de The Doors e Raul Seixas - em sua maioria, possuem uma atitude e postura hippie que dão no saco, daí fico com preguiça de curtir a música deles.
Ainda sou chamado de artista; o jeito é agradecer. Fazer o quê? Negar o fato e tentar convencer a quem me diz que sou um fotógrafo de quinta categoria? Melhor não. Todos que conheço já disseram uma coisa ou outra sobre minhas fotos, mas poucos me perguntaram o porquê de eu começar a fotografar; então, inaugurando o marcador 'fotografia' em meu blog, eu explico o porquê:

  1. Depois da escrita, foi a segunda maneira que encontrei para me expressar. 
  2. As Histórias em Quadrinhos foram uma grande influência, assim como o cinema - pelos pôsters e stills que via quando criança; sempre tive vontade de fazer coisas iguais;
  3. Gosto do mundo como o vejo;
  4. Sou um engenheiro e arquiteto frustrado (péssimo em matemática) - gosto das coisas que o homem constrói para conviver em sociedade;
  5. Pra onde vejo, enquadro. Estou sempre enquadrando e analisando o espectro da luz. E sem ela, nada  mais existe;
  6. Comportamento e sociedade: em cada pessoa, habita um universo - pessoas demonstram isso pela maneira que vivem, seus gestos, linhas corpóreas, cores e expressões faciais. Gostaria muito de saber explorar mais disso.
  7. O poder (sem exagero) de isolar um momento no tempo e eternizá-lo. Por uma imagem, nossa mente pode acessar um sentimento ou uma memória. É um tesouro sem preço.

Em minha linguagem fotográfica... Não posso ainda retratar a minha realidade como gostaria; nos meus desejos mais insanos, gostaria que minhas fotos causassem mais do que uma reflexão visual - gostaria de poder fazê-las se moverem...

Quando lido com a questão fotográfica e meu estilo, não penso nela como arte, ou um produto como tantos assim a veem, mas no potencial dela de criar algo que não tenha sido reparado antes; poucas vezes fui bem-sucedido.
Uma das melhores recompensas que tenho é quando ouço do observador a frase: "Não havia reparado nisso antes" - principalmente quando é uma imagem extraída do mais absoluto cotidiano.

O cotidiano me faz refletir no fotojornalismo; num mundo definido por imagens, é o fotojornalismo que melhor exemplifica a realidade. Com fotos aliadas a um texto conciso, nosso senso crítico se desenvolve e formamos opiniões sobre a verdade. Daí a importância dos fotógrafos nas mídias impressas e na internet. Um fato ganha mais substância se contextualizada não apenas na mente, mas nos olhos do leitor. Isto também é poder. Daí minha perspectiva sobre o fotojornalista como um historiador: por mais que uma foto seja verossímil e real, mesmo num campo fotojornalístico, ela (a foto) ainda possui a assinatura do autor. Por isso acredito que ela sempre será parcial.
Em alguns casos, o fotógrafo tem a perspectiva única de um acontecimento. Saber escrever sobre o fato registrado pode salvar uma matéria e uma foto pode ser o ingrediente final no conjunto de diversas perspectivas, opiniões, idéias e experiências que faz uma notícia atingir pessoas no estômago. Porém, há imagens demais e conteúdo de menos atualmente. E não é toda fotografia que é capaz de gerar perguntas.

Muito do mundo, aprendi a enxergar pela fotografia. Não pelas imagens em si, mas por tratar os meus olhos e cérebro como uma lente: do micro ao macro, analisando à distância o que será fotografado e absorvido. Porque há diferentes perspectivas, num conflito saudável de analisar os dois (ou mais) lados de cada situação. Isso que me torna aos poucos um homem mais espiritualizado, módico - equilibrando a emoção da racionalização.

Sensível? Talvez; mas para fotografar, é preciso saber enxergar. E assim completamos o círculo.

Porém, por mais que eu exerça a filosofia da fotografia (obrigado, Susan Sontag), ainda não sou metade do fotógrafo que quero ser. Não tenho o domínio da técnica e muitas idéias ainda estão adormecidas.

O escritor de quadrinhos Alan Moore mencionou uma vez que se o criador (o artista) não se sente excitado, triste ou feliz quando trabalha numa de suas obras, ele não tem o direito de esperar que o observador tenha as mesmas sensações. Há uma responsabilidade implicada aí, para que haja uma linha de comunicação (não importa de que tipo) entre o artista e observador.
O fotógrafo Clício Barroso mencionou num post em seu Facebook que ele não tira fotos, tampouco as "faz" - ele apenas fotografa. Concordo com ele.

Atualmente, confesso que estou desapontado com minha identidade fotográfica. O afinco e paixão pela arte desapareceu; estou desinteressado no que posso fazer com uma câmera. A simples idéia de segurá-la em minhas mãos me assusta e causa náuseas. Não sei se ainda quero me assumir profissionalmente.
Minha amiga e excelente profissional Lu Barcelos disse que é uma fase normal na vida de qualquer fotógrafo. Afinal, são pessoas que trabalham com o processo de criação - um ofício que necessita de harmonia entre raciocínio e sentimentos, conexão e abertura com emoções e estímulos visuais, para que o observador perceba a verdade expressa por um ponto de vista.

Não me sinto criativo ultimamente. Talvez seja o período; porque se a fotografia é um meio de me expressar, só sei que ainda estou num momento de silêncio e recomposição.

Sendo um momento, sei que vai passar; porque ainda continuo enquadrando, mesmo sem uma câmera nas minhas mãos.



Um comentário:

Lui Pesce disse...

André muito bom ler sua reflexão sobre o que vc vem fazendo porque eu compartilho muitos pontos levantados. Atualmente estou nesse dilema se continuo fazendo da fotografia o meu ganha pão. Afinal de contas trabalho é trabalho, e infelizmente a minha relação com a câmera vem mudando nos últimos anos. O processo criativo é muito subjetivo e apresenta muitas variantes. Atender as demandas e fazer do click um desafio intelectual de fato é muito difícil.
Acredito que este exercício de tentarmos atingir um senso crítico sobre nossa linguagem, seja texto, imagem e som, é um hábito saudável como indivíduos pensantes.