quinta-feira, 28 de maio de 2015

MARY ELLEN MARK.


(auto-retrato)

Para quem me conhece, ou não - sabe que ocasionalmente, trabalho com fotografia; e como todo profissional dessa área, passei por altos e baixos. Não é (ainda) o meu ofício principal - ainda estou numa intensa fase de transição, mas isso é assunto para outro dia.
Mas para quem acompanha o meu trabalho de perto, ou até mesmo via Flickr - quem não conhece, basta apenas clicar no link acima e à direita desta página -, sabe que pela linguagem fotográfica, meu estilo ainda é frio. Não que isso seja um problema, de maneira alguma. Mas se medirmos o peso e o impacto de uma imagem, o elemento de uma pessoa ou qualquer outro ser vivo como objeto de registro visual, sempre será mais impactante do que um ângulo único sobre uma estrutura arquitetônica. Talvez duas ou três vezes no máximo tive pessoas confessando que se emocionaram com alguma fotografia feita por mim.




E se seguirmos a regra básica de que, toda expressão artística também é um rascunho da essência emocional do artista; admito que tenho muita dificuldade em me definir como um "artista", embora muitas vezes já tenha sido chamado de tal. Porém, se esta regra for aplicada a mim, a parte da minha essência que é notoriamente demonstrada pela minha visão e estilo fotográfico é a timidez.
Os amigos e familiares mais íntimos podem até discordar, mas é uma das minhas verdades. Sou tímido mesmo. Fotografo melhor quando estou sozinho e, quando me deparo com modelos, exijo mais de mim do que gostaria. É uma responsabilidade, uma tarefa interpessoal que leva tempo, análise e abertura de ambas as partes. Um disparo realizado de um aniversariante em sua festa jamais exigirá a ligação entre coração / mente / olhos e câmera de um fotógrafo e os olhos / mente e alma de um modelo.
É como o meu processo se desenvolve; que logo também é parte da minha essência fotográfica.

Ao descobrir sobre a passagem de Mary Ellen Mark para um plano melhor do que este, refleti mais uma vez sobre o trabalho dela. Em meu álbum de fotos que ilustra os meus ídolos, ela não se encontra nele - por motivos óbvios: eu não conseguiria fazer o que ela fez. Talvez até emularia com uma certa paúra rudimentar os trabalhos de Ralph Gibson, Annie Liebowitz, Man Ray, Clay Enos e alguns outros. (A partir daqui, mudo a referência )
Mas algo sincero e direto que vai além de uma paisagem ou estrutura (até mesmo uma celebridade puramente comercial) para os olhos de pessoas reais, é feitio para poucos fotógrafos. Acredito que talvez esteja aí uma das linhas mais tênues que separar um "fotógrafo profissional" de um verdadeiro fotógrafo, um(a) pintor(a) de luz.

Mary Ellen Mark era uma das minhas pintoras favoritas. Descobri isso da maneira mais amadora possível, quando ainda sonhava em obter uma câmera para apenas depois me tornar um "fotógrafo"; e foi só um tempo depois, com alguma prática de mais erros do que acertos, estudos e pesquisa que descobri a autora por trás de algumas das fotos mais fantásticas que tinha visto (por mero ocaso ou não) desde a minha infância.
Esqueça o cenário, esqueça a montagem técnica das luzes, esqueça até mesmo o termo "obejeto de estudo" e concentre-se nas pessoas. As pessoas, totalmente despidas de seus títulos, identidades sociais e personagens evocados: era assim que era trabalhava da maneira mais natural possível. E o pior, ela faz parecer fácil. Mas não é. Para mim não é. Ao meu ver, Mary tem o seu estilo definido por duas partes simples: na assinatura visual do preto-e-branco, o que exige um exercício maior de interpretação da mente em tons básicos de cinza, preto e branco; e a sensibilidade de se aproximar das pessoas que fotografa. Uma vez mais, talento para poucos.


A notícia de sua passagem me fez pensar nessas duas variáveis - para não dizer 'ferramentas' -, fotográficas. Sinto saudades do preto-e-branco; sinto falta de trabalhar mais na minha timidez de fotografar pessoas na rua de imediato e ser mais impetuoso nesse aspecto; em tempos de selfies que inundam nossos murais nas redes sociais, trabalhar com a espontaneidade talvez não seja tão difícil. Mas entrar no âmago das pessoas e projetar (sem jamais expor) a alma das pessoas fotografadas, como Mary Ellen assim o fazia, é algo que está além do mero treino e conhecimento técnico; está na sensibilidade, na alma do/a fotógrafo/a.
É necessário um para reconhecer o outro. Pelas fotos, algumas delas aqui reproduzidas, é fácil notar o quanto ela se deixava entregar assim como aqueles fotografados por ela. E a única coisa entre eles, era a câmera; aquela relação (ao menos aos nossos olhos) cessava para ficar congelada no tempo eternamente no último disparo, no último click realizado. É como poder conhecer uma pessoa fabulosamente única no banco de espera de um aeroporto, ou ponto de ônibus e passar o resto de uma vida pensando nela, sem jamais reencontrá-la. Mas o impacto permanece.


(Marlon Brando - no set de "Apocalypse Now" - 1975)

Este é o tipo de impacto que ela me passa por suas fotos. A fração de uma essência momentaneamente aberta de um desconhecido, congelada no tempo - e que apenas dura em mim apenas pelo tempo em que meus olhos absorvem a imagem daquela pessoa. Ao deixá-la de vê-la, ela se vai. E a marca dela fica.
Marca indelével também representada no seu trabalho de stills nos bastidores de grandes obras da sétima arte. Foi assim que me deparei com o trabalho dela pela primeira vez - talvez em algum livro específico sobre o assunto, mas infelizmente agora não me lembro o qual. Seja como for, deve ter sido fantástico presenciar tais filmes sendo realizados e ter acesso livre nos seus bastidores, podendo também "dirigí-los" - é claro que da maneira mais natural possível - para chegar na essência de suas personalidades, bem além de suas personagens.






(Dennis Hopper - no set de "Apocalypse Now" - 1975)



É bom ter uma influência do cinema na fotografia; gosto de como os cada cena memorável pode fazer a diferença num momento num clique específico e poder inserir mais elementos e interpretação numa determinada imagem, além de sua construção visual básica.

Talvez algum dia eu escreva sobre isso em meu blog.







(Jack Nicholson e elenco no set de "Um Estranho no Ninho" - 1975)

Senti saudades de revisitar alguns dos meus livros de fotografia e poder passar até um dia inteiro refletindo sobre uma única imagem; contrastar o trabalho dela contra o de outros mestres, como por exemplo, Ralph Gibson: outro grande mestre do Preto e Branco - o 'encontro' dos dois é registrado abaixo:




Nesta época tenho explorado muitos de meus registros numa perspectiva multicolorida imposta à força, para tentar explorar um pouco mais dos meus limites. As cores são boas para os olhos, mas ainda distraem o meu coração. Penso mais na técnica do que deixar o instinto fluir; penso mais no resultado do que sentir meu olho de apoderar de uma imagem naquele momento; penso mais no estilo do que sentir a eletricidade que sai do peito e se divide entre o meu globo ocular (estático), e a ponta do meu indicador no milissegundo que percebe que o momento é aquele e o sentimento faz o resto.

Talvez seja isso que eu Mary Ellen Mark me faz lembrar agora. Assim como o sentimento único proporcionado pelo processo fotográfico mais orgânico quando comecei a fotografar: em preto-e-branco, com películas, fazendo cada disparo num rolo de 36 oportunidades valer a pena. Para depois explorar cada imagem surgir como mágica num papel, por melhor ou pior que fosse, debaixo de uma luz vermelha, com as mãos cheirando a químicos.
Fotografar, para quem não passou por este processo, é ir além do registro; também é se expressar pela realidade do que ou quem se vê num momento, na sua frente. E preciso tomar cuidado para não me tornar apenas um fotógrafo "profissional".

Ela (Mary) me fez refletir sobre tudo isso agora. Além do puxão de orelha necessário para retomar certos princípios em minha fotografia.
Agradeço a ela, sem jamais a tê-la conhecido, Mas que por alguns momentos me fez conhecer um pouco mais de sua essência pelo seu próprio trabalho. É uma fonte de inspiração para não apenas fotografar, mas para se aproximar mais das pessoas. Talvez seja essa uma das várias lições de seu legado e principalmente de sua pessoa: enxergar o próximo. Reconhecê-lo como um igual, não importando de onde ele venha ou que ele faz. Mesmo que por um momento. É isso o que fazia dela não apenas uma fotógrafa, mas uma Humanista. Se observar o seu trabalho com o coração, a sensação é de reconhecimento, porque nos faz enxergar quem somos. Qualidades aferidas à mais mulheres do que homens, ainda mais se considerarmos o comportamento das pessoas na sociedade (por uma visão ampla - "macro") sob uma perspectiva individual ("micro") e suas ações.


E pensar que ela começou como uma fotógrafa de rua; não é à toa que sua sensibilidade era exponencialmente maior ainda no início de sua carreira - ela apenas aprendeu por si própria a enxergar quem estava a sua volta; por onde todos estamos, quando nos encontramos sem nos olharmos, sem nos vermos, sem nos reconhecermos.

Uma tremenda de uma lição sobre a humanidade, para a humanidade -  incluindo pessoas e fotógrafos. Adorava desafios em seu trabalho. Registrou com simplicidade e força diferentes temas sobre pessoas - desde estranhos na rua, retratos de astros e os bastidores de cinema, a cultura dos Estados Unidos da América, crianças desabrigadas, gêmeos, circenses e prostitutas na Índia, a pobreza, o trabalho de Madre Tereza de Calcutá, e mulheres internadas num hospício.
Material rico, que explora a nossa própria cultura, atitudes e consequências de nossos diferentes meios de ver e viver a vida neste planeta.





Mary Allen Mark tinha setenta e cinco anos de idade quando fez a passagem. Aposto que ela gostaria de uma câmera quando chegou do outro lado; para registrar tudo em preto-e-branco. Termino este post agradecendo-a pela inspiração, e pela reflexão causada em minha própria fotografia - o que me fez desenvolver este texto em alguns minutos.

E com uma frase dela de extrema importância sobre como o seu trabalho representava a sua vida:

 Eu apenas acho que é importante ser direta e honesta com as pessoas sobre o porquê de fotografá-las e o que você está fazendo. Afinal, você está pegando um pouco da alma delas.

- Mary Ellen Mark.
(20 de Março de 1940 - 25 de Maio de 2015)


Mais do seu trabalho pode ser conferido pelo webiste: www.maryellenmark.com


Um comentário:

Meg Rodrigues disse...

Olá André,

Uma observação, a foto aqui reproduzida não é um autorretrato, foi feita por Joshua Kogan (Santa Fé, Novo Mexico, USA, 1996). http://joshuakogan.com/#/portfolio/camerawork/lifestyletravel-west

Sobre as referências que você conquistou, gostei das suas fotos. Entretanto, vou lhe confessar, a fotografia em cores não me emociona tanto quanto a preto e branco.
Tudo de bom!